Roger Iribarne: “O Benfica é algo que ficará para a vida. É aquilo que Cuba não conseguis ser”

Há uma clareza peculiar nos olhos de Roger Iribarne quando o tema é gratidão. Existe uma saudade, límpida como as águas das Caraíbas, mas o sentimento pelo Benfica é incontornável, nas palavras escolhidas pelo velocista, que foi convidado do programa “Protagonista”, na BTV.

“O Benfica é algo que ficará para a vida. Jamais esquecerei o que o clube significa para mim. A forma como fui acolhido, como me fez sentir em casa. O Benfica é isso, para mim. É casa. É aquilo que Cuba não conseguiu ser. As condições que me deu, para eu poder evoluir e desenvolver o meu potencial. Um dia, quando deixar de ser atleta, o Benfica vai perdurar na minha vida. Sou benfiquista para o resto da minha vida“, disse Roger Iribarne, o atleta de 110 metros barreiras, em pista descoberta, e dos 60 metros barreiras “indoor”.

Trata-se de um refulgente velocista cubano, à espera da nacionalidade portuguesa, o que lhe permitirá cumprir o destino que começou a ser escrito na famosa Escola Nacional de Atletismo de Cuba. A mesma que lhe desenvolveu o potencial, de início, mas que estranhamente o suspendeu, não permitindo que Iribarne pudesse competir nos Jogos Olímpicos de Tóquio, apesar de ter atingido a marca que o deveria levar à maior competição desportiva do mundo.

“Foi aí que percebi que o meu país de nascença não me daria as oportunidades que eu procurava para ser um dos melhores atletas mundiais da minha especialidade. Estive quase a desistir, porque, em Cuba, já não tinha condições para perseguir o meu sonho. Acabaram com elas. Tive de procurar um local que me acolhesse, que me desse essas condições para desenvolver o meu potencial. Esse lugar é o Benfica“, adiantou na entrevista, também publicada pelo jornal O Benfica.

Iribarne

SUCESSO RÁPIDO

Em Portugal, em poucos meses, Roger Valentin Iribarne confirmou a excecionalidade das suas condições atléticas. Trouxe um recorde pessoal de 13’39 e em poucos meses melhorou-o, atingindo uma marca que o coloca entre os melhores e mais promissores do mundo, aos 27 anos. Finalmente, o atleta do Benfica confirma as expetativas e prepara-se para enfrentar a temporada de verão, em condições de ascender ao difícil olimpo do atletismo mundial.

“A primeira prova será em Doa, onde já estive a competir, nuns Campeonatos do Mundo, mas aí fiquei-me pelas meias-finais. Agora, com as condições que tenho para treinar e para competir, quero o céu. Cheguei a Portugal com a marca de 13’39 e em pouco tempo melhorei para 13’26. Esse é objetivo para esta temporada. Sei que vou baixar ainda mais a minha marca, mas o grande objetivo é fazer um tempo abaixo dos 13 segundos. Se o conseguir, serei dos melhores do mundo. E eu quero ser o melhor”, asseverou Iribarne.

ANA OLIVEIRA, MÃE DE ACOLHIMENTO

Há um mar imenso de saudades no olhar de Roger Iribarne, de onde se vê Cuba, mas também existe um oceano inteiro de gratidão, de onde é possível avistar Portugal e o Benfica. E particularmente Ana Oliveira, coordenadora do projeto olímpico e do atletismo do Clube. É uma mentora, para estes atletas cubanos, que perseguem, no nosso país, um sonho que lhes foi vedado no seu país de nascimento.

“Ana Oliveira é uma espécie de mãe. A nossa mãe, no Benfica. Sem ela, a sua obstinação, nunca teria sido possível chegar a Portugal e sequer sonhar em praticar a nossa modalidade fora de Cuba. Somos vários cubanos no Benfica, e todos nós devemos imenso a Ana Oliveira. É uma pessoa incrível e uma treinadora que nos faz crescer. É a minha treinadora, e confio totalmente no que estou a fazer com ela. Acreditou em mim, no meu potencial, e tudo fez para eu vir para Portugal. Como poderei esquecer uma pessoa destas?”, adiantou o velocista do Benfica.

Iribarne

“Levamos o equipamento do Benfica connosco. Isso dá-nos ainda mais força, porque é uma forma de sentir que estão connosco. Para que todos saibam que este é o clube que apostou em nós e que nos permite estar a um nível alto”

Roger Iribarne

VESTIDO À BENFICA

Reynier Mena também é cubano, também é velocista e é atleta do Benfica. Ambos partilham, entre si, uma espécie de irmandade inquebrável. Começaram juntos, em Cuba, e juntaram-se em Lisboa para representar um clube que fazem questão de assumir como uma segunda pele. Mesmo nos “meetings” internacionais, onde é habitual que os atletas vistam equipamentos que promovem as marcas que os representam, Mena e Iribarne atuam com a indumentária oficial do Clube. É uma forma de carregar o sonho, vestindo-o das cores que o fortalecem.

“Muitos dos atletas vestem os equipamentos com as marcas que os representam. Não é habitual usarem os equipamentos dos clubes, mas nós fazemo-lo. Levamos o Benfica connosco, isso dá-nos ainda mais força, porque é uma forma de sentir que estão connosco. E também levamos a imagem do Clube a todo o lado. Para que todos saibam que este é o clube que apostou em nós e que nos permite estar a um nível muito alto.”

Os dois atletas cubanos chegaram a Portugal a velocidades diferentes, com vários meses de intervalo. Mas, tendo começado juntos, formou-se, entre ambos, um laço que os liga muito para além do atletismo.

“Começámos na mesma altura, em Cuba, muito novos, e desde aí temos tido um percurso muito semelhante. Estivemos nas mesmas competições, éramos duas das maiores promessas de Cuba na velocidade, e não hesitámos quando se deu a oportunidade de vir para o Benfica. Ele chegou em dezembro de 2020, eu cheguei três meses depois, mas o atletismo tornou-nos inseparáveis. E vamos ter sucesso no mesmo clube”, asseverou Roger Iribarne.

JOGOS OLÍMPICOS DE PARIS

A nacionalidade portuguesa é o próximo passo para a assimilação competitiva do atleta benfiquista, já que esse formalismo lhe permitirá disputar os campeonatos da Europa e do Mundo e, finalmente, concretizar o sonho de disputar os Jogos Olímpicos. Em 2024, Paris será a cidade anfitriã, e Roger Iribarne quer estar em condições de lutar por medalhas. E se for a de ouro, tanto melhor.

“Assim que obtiver a nacionalidade portuguesa, vou disputar as grandes competições internacionais, como os Europeus e os Mundiais. E, claro, os Jogos Olímpicos, que são o sonho de qualquer atleta. Mas quero ir para competir e para ganhar. Tenho, agora, as condições ideais de treino, fisiologia, fisioterapia, nutricionismo, tenho tudo ao meu alcance, graças ao Benfica. Por isso, também quero desfrutar de conquistas ao serviço do Clube. Já fui campeão nacional no Benfica, e foi uma sensação muito boa: os festejos da equipa, dos atletas, dos treinadores e de todo o pessoal que apoia a modalidade. Que família! Nunca tinha vivido isso, e quero continuar a desfrutar. E evoluir, progredir, melhorar as minhas marcas e chegar aos Jogos Olímpicos em condições de lutar por medalhas. E lutando por medalhas, lutar pela vitória. Ao serviço do Benfica, também gostava de contribuir para que o Clube vencesse a Taça dos Campeões Europeus”, disse o atleta cubano.

Iribarne

“Tenho, agora, as condições ideais de treino, fisiologia, fisioterapia, nutricionismo, tenho tudo ao meu alcance, graças ao Benfica”

COMO TUDO COMEÇOU

Os sonhos são uma amálgama de objetivos pré-datados que vão ganhando espessura à medida que se vão cumprindo as etapas mentalmente desenhadas pela ambição. Foi assim que Roger Iribarne construiu os seus, ainda na sua infância. Mas, ainda antes de sonhar, Iribarne viu o atletismo atravessar-se no seu caminho de uma forma fortuita.

“Na verdade, foi quase uma imposição da minha mãe, porque eu, em casa, estava sempre a correr, de um lado para o outro. Era muito irrequieto e nunca parava. Isso cansava a minha mãe. E, num dia, pediu a um treinador de atletismo que me deixasse treinar com ele e com os rapazes que ele treinava. Só para gastar energias e para eu poder correr livremente, sem estar sempre a incomodar a minha mãe. O problema foi que comecei a correr com eles e a ganhar todas as corridas. Foi assim que o atletismo começou a ser, para mim, mais do que um passatempo. O resto já é conhecido. Comecei a treinar as técnicas, também comecei a praticar o salto em altura e o salto em comprimento. Mais tarde, especializei-me na corrida de obstáculos, e, a partir daí, as coisas começaram a acontecer na minha carreira. Tornei-me um atleta que participava nas grandes competições internacionais, nos torneios sul-americanos, mundiais, um dos atletas mais promissores de Cuba e do mundo, no escalão de juniores. Depois, deixaram de apostar em mim, e vim para Portugal e para este magnífico clube que é o Benfica.”

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