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Pedro Mil-Homens e o significado da conquista da UEFA Youth League

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Pedro Mil-Homens, diretor-geral da formação do Benfica, recebeu o jornal A Bola no Seixal para falar do significado da conquista da Youth League. Falou de Jorge Jesus, Luís Filipe Vieira, manifestou confiança em Rui Costa e explicou os motivos que levaram Rúben Amorim a não ter assinado pelo Benfica.

– Esteve com Bruno Lage, houve alguma aposta na formação, depois houve um grande investimento na contratação de Jesus e em jogadores. Como é que se gere, sem ser aos sabores das circunstâncias, ao sabor de um treinador, as oportunidades dos jovens?

– Como benfiquista e diretor do Benfica Campus, não tenho problema algum em dar a minha opinião. Nessas circunstâncias, gere-se mal, porque nesse momento o Benfica fez uma alteração tática, não estratégica, mas tática, que respeito, mas com a qual não concordei. O Benfica desviou-se de um rumo. Os resultados, infelizmente, estão à vista. Como é que se gere? Gere-se tendo confiança no rumo que se traça a montante. E não é porque as coisas correram mal numa determinada época que se deve alterar radicalmente o rumo traçado. O Benfica aí, infelizmente, não geriu bem este processo. Gere-se havendo diálogo, escolhendo pessoas para a direção técnica da equipa principal que se alinhem com o projeto do clube. O clube tem um projeto e as pessoas encaixam, com certos graus de liberdade, mas num rumo que é preciso manter. De outro modo o clube perde a sua identidade e o seu ADN. Há que ser humilde, aceitar que as coisas não funcionaram bem e é por isso que o Benfica, entretanto, também mudou. Do nosso lado, a nossa expectativa e desejo é ter sempre uma interação com a direção técnica do futebol profissional. Não é para vender o nosso peixe ou para dizer: ‘Olhe lá que tem aqui os nossos jogadores.’ Nada disso. É, simplesmente, para dar corpo ao projeto de formação que o clube decidiu ter como pilar estruturante da sua política desportiva. É por isso que muitas equipas técnicas no futebol profissional têm alguém com a função de acompanhar a formação, de estar mais próximo das equipas de transição para o futebol profissional, o que permite que haja diálogo, troca de pontos de vista, interação, aprendizagens. Não é nada de extraordinário. Quando este diálogo não existe a situação é muito difícil. Erguem-se muros e os muros nunca facilitam a comunicação.

– Que testemunho pode dar sobre as recentes acusações de Luís Filipe Vieira de que a presença de Rui Costa no Seixal era praticamente inexistente?
 

– Tenho o maior respeito pelo ex-presidente Luís Filipe Vieira. Foi ele que me convidou para vir trabalhar para o Benfica Campus. Qualquer benfiquista reconhecerá o enorme papel que ele teve, nomeadamente, no projeto do futebol de formação. Toda a gente o recordará como alguém que teve um papel essencial na criação destas instalações e na valorização do trabalho da formação. Depois, a vida traz-nos, às vezes, coisas que não desejamos, algumas agruras. Temos de respeitar e compreender. Foi um momento infeliz do ex-presidente Luís Filipe Vieira relativamente a Rui Costa, que conheço muito antes de trabalhar no Benfica e que sempre vi aqui entre nós, que nos acompanha e que sempre vi participar nas nossas reuniões de trabalho. Qualquer um de nós pode ter direito a um momento menos feliz. Desejo o melhor do mundo ao ex-presidente Luís Filipe Vieira, como desejo, naturalmente, ao presidente Rui Costa, em quem tenho grande expectativa e grande confiança de que vai levar a carta a Garcia, como se costuma dizer. Há uma nova geração de dirigentes, neste caso ex-jogadores de futebol, que podem dar um contributo para uma renovação pela positiva, para um futebol mais saudável, mais dialogante, menos crispado e que isso possa permitir, sem pôr em causa as rivalidades, que a indústria do futebol possa melhorar.

– Em junho de 2019 Rúben Amorim esteve para ser contratado pelo Benfica para a equipa sub-23. Surgiram até informações de que teria dado um parecer negativo à contratação. Quer esclarecer essa situação?

– Tenho o maior gosto em falar sobre esse assunto, por uma razão muito simples: muitas das coisas que se disseram não correspondem à verdade. Vou contar uma inconfidência. No jogo com o Sporting dos quartos de final da Youth League, em Alcochete, conversei com o Rúben Amorim e, em jeito de brincadeira, disse-lhe: ‘Ó Rúben, você nem imagina o que tenho sofrido por sua causa.’ E ele riu-se muito alegremente. É muito simples de explicar. O Rúben Amorim sabe que isto é verdade, como é um homem sério sabe que o que vou dizer é rigorosamente verdade. O Rúben, neste contexto que lhe expliquei há pouco, de plantéis que não estão trancados, equipas em que jogadores sobem e descem, disse-me: ‘Eu não sou capaz de trabalhar assim, não me vejo a trabalhar assim, nunca trabalhei assim, não quero ser o treinador de sub-23 que tem de dar jogadores.’ Respondi: ‘Mas Rúben, o projeto do futebol de formação é assim. Não funciona de outra maneira.’ Foi honestidade do Rúben Amorim, devo realçá-lo, ao dizer-me nesse contexto: ‘Posso estar a fazer um grande erro, mas acho que não vai funcionar bem comigo.’ Foi tão simples quanto isto. E, provavelmente, em abono da carreira do Rúben Amorim, estava certo. Não há nada errado em ter um treinador com um perfil mais adequado para trabalhar de uma determinada forma ou de outra. Depende do que o treinador quiser para a carreira em determinado momento. E o Rúben, provavelmente, estava muito mais talhado, como se veio a provar, para trabalhar no futebol sénior profissional, num ambiente controlado, mais fechado, e teve o êxito que todos lhe reconhecemos. O Rúben teve a honestidade de me dizer: ‘Nessas condições, acho que não vou ser capaz e prefiro não aceitar.’ São assuntos que devemos abordar de forma aberta e tranquila. Isto não é segredo de Estado. O Rúben comentou o número de jogadores que tínhamos utilizado na época anterior nos sub-23. E eu disse-lhe: ‘Mas, Rúben, é assim.’ Há outros treinadores que têm perfil mais adequado para trabalhar nestes contextos. Tão simples quanto isto. Não há qualquer drama.

– E tem sofrido muito com isso?

– As pessoas, muitas vezes, olham para a espuma dos assuntos, não olham para a substância. O Rúben não foi treinador do Benfica na altura apenas por esta razão: foi ele que não quis ficar nas condições que acima descrevi. Depois, criou-se uma ideia de que os treinos não são todos dados pelos treinadores. É uma idiotice completa. Quando temos um plano de formação para jovens dos 6 aos 19/20 anos tem de haver um programa. Não pode ficar apenas ao critério do treinador A ou B. Costumo dar este exemplo: não é normal uma escola de línguas ter um programa de como se ensina o francês, o inglês, o alemão, ao longo dos vários anos de escolaridade? No desporto não é diferente. Também há que ter programas de formação. Um programa escrito, bem definido, com objetivos, métodos, conteúdos e critérios de avaliação, nas áreas técnica, tática, psicológica, física e de formação pessoal e social. Este programa, que denominamos de Formar à Benfica, constitui, na nossa conceção, o trabalho fundamental que todos os treinadores devem cumprir, sendo que para além disso existe, naturalmente, o contributo individual que um determinado treinador leva para o programa, para o processo de treino, com base na sua individualidade e na sua experiência. Daqui a dizer-se que «70 por cento dos treinos era o Benfica e 30 por cento o treinador Rúben Amorim», ou outro qualquer, só pode ser uma coisa de má fé.

– Desta equipa da final há jogadores preparados e já têm garantia de que vão fazer parte do plantel principal? Henrique Araújo e Tomás Araújo provavelmente…
 

– Imagino que sim.
 

– Diego Moreira, Martim Neto…
 

– Agora contradizia-me se fosse dizer sim ou não. Estamos à espera do nosso processo de diálogo com o futebol profissional, com o novo treinador, com quem ficar a tratar destes assuntos. Há uma necessidade de avaliação e de ponderação relativamente ao grau de prontidão competitiva destes jogadores. Não escondo que tudo dependerá muito da dimensão do plantel do futebol profissional. O que importa é que haja diálogo, disponibilidade para avaliar os jogadores que temos nestes patamares competitivos. Mencionou alguns. Há dois anos, o Gonçalo Ramos também jogou a final da Youth League. O Paulo Bernardo não jogou essa final porque estava castigado. É esta afirmação permanente de promoção destes jovens jogadores que me dá uma grande alegria. Fiquei muito contente por esta conquista por todas as razões e porque o Benfica merecia ganhar este troféu europeu. A maldição do Béla Guttmann… Quando abracei o presidente Rui Costa, ele disse-me na brincadeira: ‘Passei a noite toda a falar com o Béla Guttmann.’ Foi uma brincadeira. Foi uma forma bonita de ele me abraçar. Um troféu europeu é importante para um clube da dimensão do Benfica, não vale a pena escamotear isso. Agora, daqui a 10 ou 20 anos, ninguém se vai lembrar que o Gonçalo Ramos ou o Paulo Bernardo não ganharam a Youth League. Quando definimos objetivos, o primeiro é sempre a promoção de jogadores, o segundo é o desempenho desportivo. Mas isto é o Benfica, não é uma entidade abstrata que se inscreve para jogar campeonatos. Os sócios e adeptos vibram. Deixe-me dar esta nota para se perceber a dimensão do amor ao Benfica. No final do jogo com o Midtjylland, na Dinamarca, vi um casal com um cachecol do Benfica. Estavam em Odense numa defesa de tese de doutoramento, souberam que o Benfica ia jogar aquele jogo e foram lá. Tirei-lhes uma fotografia, não sabia quem eram. Recebi ontem [sábado], através do nosso email de contacto ao sócio, um email desse senhor, depois de saber que o Benfica ganhou a Youth League, a pedir-me a fotografia que lhe tirei. Enviei-lhe a fotografia e convidei-o para nos visitar. Esta é a dimensão do benfiquismo que fervilha em qualquer parte do mundo. Quem está deste lado, por maior que seja o discurso de promoção de jogadores, não pode deixar de pensar na componente de desempenho desportivo. O que não podemos fazer? Subverter os princípios que definimos, apenas para ganhar campeonatos de iniciados ou de infantis e contratar miúdos altos e fortes que resolvem o problema naquele dia, mas que amanhã nenhum deles cá está. É este equilíbrio que é preciso manter.

– Já pode dar a esse casal a boa notícia de que o Martim Neto vai ficar?

– Já. E vou oferecer-lhe, quando vier, o cachecol de campeões da Youth League do Benfica.

– Mas o Martim Neto vai ficar?

– Vai, sim senhor. Todos os bons jogadores têm e querem ficar no Benfica.

– Como sabe ele acaba contrato.

– Com certeza. O nosso papel é gerir com tranquilidade, às vezes com dificuldade, a gestão contratual dos nossos jogadores. 

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